26/12/2014

Não 
queria 
ter dito 
que
disse
mas 
falou
escutou
o choro 
dolorido
da criatura
mais doce
que conheceu
que amou
que protegeu
que fez.
Sentiu-se
um lixo.
EDNALDO TORRES FELICIO
27/12/14

24/03/2013

...E aí, com os dedos da mão direita repuxados de ódio, os dentes cerrados e o rosto transtornado ela me disse: "Você é meu inferno". Pena, ela sempre foi meu céu.

=(

18/02/2012

meu pobre blog

terminando fevereiro e nenhuma atualização.

meu pobre blog está jogado às moscas, coitadinho....

11/09/2011

O FATOR DEUS - JOSÉ SARAMAGO

Texto publicado na FOLHA DE SÃO PAULO em 19/11/2001







O FATOR DEUS
JOSÉ SARAMAGO

Algures na Índia. Uma fila de peças de artilharia em posição. Atado à boca de cada uma delas há um homem. No primeiro plano da fotografia um oficial britânico ergue a espada e vai dar ordem de fogo. Não dispomos de imagens do efeito dos disparos, mas até a mais obtusa das imaginações poderá "ver" cabeças e troncos dispersos pelo campo de tiro, restos sanguinolentos, vísceras, membros amputados. Os homens eram rebeldes.

Algures em Angola. Dois soldados portugueses levantam pelos braços um
negro que talvez não esteja morto, outro soldado empunha um machete e prepara-se para lhe separar a cabeça do corpo. Esta é a primeira fotografia. Na segunda, desta vez há uma segunda fotografia, a cabeça já foi cortada, está espetada num pau, e os soldados riem. O negro era um guerrilheiro. Algures em Israel. Enquanto alguns soldados israelitas imobilizam um palestino, outro militar parte-lhe à martelada os ossos da mão direita. O palestino tinha atirado pedras. Estados Unidos da América do Norte, cidade de Nova York. Dois aviões comerciais norte-americanos, sequestrados por terroristas relacionados com o integrismo islâmico, lançam-se contra as torres do World Trade Center e deitam-nas abaixo.

Pelo mesmo processo um terceiro avião causa danos enormes no edifício do Pentágono, sede do poder bélico dos States. Os mortos, soterrados nos escombros, reduzidos a migalhas, volatilizados, contam-se por milhares.

As fotografias da Índia, de Angola e de Israel atiram-nos com o horror à cara, as vítimas são-nos mostradas no próprio instante da tortura, da agônica expectativa, da morte ignóbil. Em Nova York tudo pareceu irreal ao princípio, episódio repetido e sem novidade de mais uma catástrofe cinematográfica, realmente empolgante pelo grau de ilusão conseguido pelo engenheiro de efeitos especiais, mas limpo de estertores, de jorros de sangue, de carnes esmagadas, de ossos triturados, de merda. O horror, agachado como um animal imundo, esperou que saíssemos da estupefação para nos saltar à garganta. O horror disse pela primeira vez "aqui estou" quando aquelas pessoas saltaram para o vazio como se tivessem acabado de escolher uma morte que fosse sua. Agora o horror aparecerá a cada instante ao remover-se uma pedra, um pedaço de parede, uma chapa de alumínio retorcida, e será uma cabeça irreconhecível, um braço, uma perna, um abdômen desfeito, um tórax espalmado. Mas até mesmo isto é repetitivo e monótono, de certo modo já conhecido pelas imagens que nos chegaram daquele Ruanda-de-um-milhão-de-mortos, daquele Vietnã cozido a napalme, daquelas execuções em estádios cheios de gente, daqueles linchamentos e espancamentos daqueles soldados iraquianos sepultados vivos debaixo de toneladas de areia, daquelas bombas atômicas que arrasaram e calcinaram Hiroshima e Nagasaki, daqueles crematórios nazistas a vomitar cinzas, daqueles caminhões a despejar cadáveres como se de lixo se tratasse. De algo sempre haveremos de morrer, mas já se perdeu a conta aos seres humanos mortos das piores maneiras que seres humanos foram capazes de inventar. Uma delas, a mais criminosa, a mais absurda, a que mais ofende a simples razão, é aquela que, desde o princípio dos tempos e das civilizações, tem mandado matar em nome de Deus. Já foi dito que as religiões, todas elas, sem exceção, nunca serviram para aproximar e congraçar os homens, que, pelo contrário, foram e continuam a ser causa de sofrimentos inenarráveis, de morticínios, de monstruosas violências físicas e espirituais que constituem um dos mais tenebrosos capítulos da miserável história humana. Ao menos em sinal de respeito pela vida, deveríamos ter a coragem de proclamar em todas as circunstâncias esta verdade evidente e demonstrável, mas a maioria dos crentes de qualquer religião não só fingem ignorá-lo, como se levantam iracundos e intolerantes contra aqueles para quem Deus não é mais que um nome, nada mais que um nome, o nome que, por medo de morrer, lhe pusemos um dia e que viria a travar-nos o passo para uma humanização real. Em troca prometeram-nos paraísos e ameaçaram-nos com infernos, tão falsos uns como outros, insultos descarados a uma inteligência e a um sentido comum que tanto trabalho nos deram a criar. Disse Nietzsche que tudo seria permitido se Deus não existisse, e eu respondo que precisamente por causa e em nome de Deus é que se tem permitido e justificado tudo, principalmente o pior, principalmente o mais horrendo e cruel. Durante séculos a Inquisição foi, ela também, como hoje os talebanes, uma organização terrorista que se dedicou a interpretar perversamente textos sagrados que deveriam merecer o respeito de quem neles dizia crer, um monstruoso conúbio pactuado entre a religião e o Estado contra a liberdade de consciência e contra o mais humano dos direitos: o direito a dizer não, o direito à heresia, o direito a escolher outra coisa, que isso só a palavra heresia significa.

E, contudo, Deus está inocente. Inocente como algo que não existe, que não existiu nem existirá nunca, inocente de haver criado um universo inteiro para colocar nele seres capazes de cometer os maiores crimes para logo virem justificar-se dizendo que são celebrações do seu poder e da sua glória, enquanto os mortos se vão acumulando, estes das torres gêmeas de Nova York, e todos os outros que, em nome de um Deus tornado assassino pela vontade e pela ação dos homens, cobriram e teimam em cobrir de terror e sangue as páginas da história. Os deuses, acho eu, só existem no cérebro humano, prosperam ou definham dentro do mesmo universo que os inventou, mas o "fator Deus", esse, está presente na vida como se efetivamente fosse o dono e o senhor dela. Não é um deus, mas o "fator Deus" o que se exibe nas notas de dólar e se mostra nos cartazes que pedem para a América (a dos Estados Unidos, não a outra...) a bênção divina. E foi o "fator Deus" em que o deus islâmico se transformou, que atirou contra as torres do World Trade Center os aviões da revolta contra os desprezos e da vingança contra as humilhações. Dir-se-á que um deus andou a semear ventos e que outro deus responde agora com tempestades. É possível, é mesmo certo. Mas não foram eles, pobres deuses sem culpa, foi o "fator Deus", esse que é terrivelmente igual em todos os seres humanos onde quer que estejam e seja qual for a religião que professem, esse que tem intoxicado o pensamento e aberto as portas às intolerâncias mais sórdidas, esse que não respeita senão aquilo em que manda crer, esse que depois de presumir ter feito da besta um homem acabou por fazer do homem uma besta.

Ao leitor crente (de qualquer crença...) que tenha conseguido suportar a repugnância que estas palavras provavelmente lhe inspiraram, não peço que se passe ao ateísmo de quem as escreveu. Simplesmente lhe rogo que compreenda, pelo sentimento de não poder ser pela razão, que, se há Deus, há só um Deus, e que, na sua relação com ele, o que menos importa é o nome que lhe ensinaram a dar. E que desconfie do "fator Deus". Não faltam ao espírito humano inimigos, mas esse é um dos mais pertinazes e corrosivos. Como ficou demonstrado e desgraçadamente continuará a demonstrar-se.

28/08/2011

''Melancolia''



Quero escrever sobre "Melancolia", o filme do Lars Von Trier que está em cartaz em SP e que vi no último sábado com minha filha.

Você não leva um soco no estômago igual ao soco que você leva ao ver "O Anticristo", filme anterior do Lars. Agora você leva um soco na alma.

No filme, uma moça vai se casar, tem uma festa linda, mas simplesmente não consegue ficar feliz. Enquanto a moça se esforça para sorrir, um planeta chamado Melancolia se aproxima da Terra.

Obviamente o casamento é só uma figura de linguagem para a vida, assim como o planeta em questão não é necessariamente um planeta, mas a melancolia em si, talvez na sua forma mais cruel, a depressão.

Filmaço.

No filme, o planeta se aproxima da Terra e não importa o que você faça, a Terra será engolida por (pela) Melancolia.

Já tive depressão. "Melancolia" invadiu meu planeta e minha vida de forma violenta, covarde, sem defesa ou esperança para fuga. Me engoliu. Me destroçou.

Há cenas tão psicologicamente fortes no filme que só entende quem passou pelo fosso da depressão. A personagem não quer tomar banho (uma das cenas mais duras), só quer dormir e quando come um bolo de carne, comida que ela sempre gostou, chora dizendo que a comida tem gosto de cinzas. Tudo muito triste, mas mostrado de forma bela, poética, com uma fotografia lindíssima.

A luta contra a depressão é diária. O bordão dos A.A.'s "só por hoje", pode ser também dito por um depressivo. Só por hoje, a depressão não me derrubou, só por hoje curti o domingo de sol com minha família, só por hoje não me matei. Amanhã é outro dia.

Melancolia se aproxima sempre de nós, do nosso planeta, de nossa vida, de nossas dores. Resta a nós aprender a conviver com a presença constante e as influências potentes do "planeta melancolia" em nossa alma.

Lars dirigiu esse filme depois de lutar contra a própria depressão. Talvez por isso eu o tenha entendido tão bem. Talvez por isso eu também ache que o fim do mundo não seja uma coisa ruim em si. Talvez o fim seja um presente e não um castigo.

Recomendo "MELANCOLIA", grande filme, grande fotografia, grande atuação de Kirsten Dunst, ganhadora da Palma de Ouro em Canne de melhor atriz.

Quanto a minha luta contra a depressão (o planeta Melancolia), por hoje estou bem, quero abrir os olhos amanhã e ver o sol. Quero ficar feliz, só por hoje.

Vejam o filme.

EDNALDO TORRES FELÍCIO

=)

18/08/2011

VIVA LEMINSKI!

Dois loucos no bairro

um passa os dias
chutando postes para ver se acendem

o outro as noites
apagando palavras
contra um papel branco

todo bairro tem um louco
que o bairro trata bem
só falta mais um pouco
pra eu ser tratado também

19/06/2011

Augusta Madrugada

Três da manhã.
Insone.
O bebê acaba de dormir. A mulher, em sua loucura, se banha de ódio e eu desço para o bar.

Três da manhã.
O bar está repleto de perdedores.
Mulheres procurando o homem perfeito, homens procurando qualquer boceta que lhes caiba.

Três da manhã.
Uma loira linda pede Legião.
Três da manhã. Um cara louco canta Legião para comer a loira.
Bebo minha cerveja e vejo tudo sem nada ver.

No apartamento MEU FILHO dorme,
 ingênuo.
A esposa descansa,
efêmera.
Três da manhã...

às quatro uma louca chora no ombro do "amigo",
um maluco vomita e eu bebo Jack Daniel's.

Estou igual a eles: perdido, triste, derrotado.

Um abraço etílico e subjetivo: loucos da Rua Augusta.

Seis da manhã.
Volto para casa.
Não comi ninguém e nem queria. Minha dor é maior que o sexo.

Seis da manhã.
A esposa dorme na mesma cama que o bebê.

Tenho a impressão de que essa casa não me cabe. Sou muito pequeno.
Derrotado igual aos bêbados das três da manhã.

Sei que o casamento está esfarelando.
Sofro por isso.
De quê adianta?

Seis da manhã.
Cachaça e wisky não me embriagam tanto
quanto o sangue que passa no meu coração
e se perde em lamentos.

EDNALDO TORRES FELICIO
19/06/2011
06:11HS