23/01/2009

Seu Cristiano e a Crise


FAZ três dias que Seu Cristiano não dorme.

Deita a cabeça no travesseiro e pensa e pensa e pensa... mas não dorme.

Faz tres dias que os maiores fantasmas do mundo moderno o amedrontam: O DESEMPREGO, AS CONTAS e O FRACASSO.

Cristiano não tem filhos. Mas tem uma mulher e ama. Cristiano morre de vergonha de sentir medo. E seu medo nasce da tola idéia de que sua mulher o ama porque ele tem sucesso.

- Que porra afinal é o sucesso? - pensa cristiano.

Começou moço na empresa. Garoto de recados, ajudante de contabilidade, auxiliar de controle de materiais, escriturário I, escriturário II, chefe da contabilidade e há uns tantos anos, contador.

Em 25 anos de trabalho, só chegou atrasado uma vez: quando morreu a mãe. Enterrou a velha e correu pra mesa: tinha relatórios a entregar.

Vinte e cinco anos de empresa e nenhum amigo. Porções de inimigos que lhe falavam pelas costas e riam-se de seu terno cinza e sua gravata preta e suas meias de algodão que cobriam um corpo delgado, sem músculos ou pelos, sem sonhos nem anseios.

Não casou por amor, casou por acaso, com uma moça tímida da expedição que foi obrigada a pedir demissão da empresa porque é inadimissível numa empresa séria como a PAPELINTER, dois funcionários de namoricos (namorico que rendeu um dos poucos puxões de orelha, do seu Narciso, o chefe geral). Mas com o tempo foi se apegando à moça. Ela cozinhava bem, coçava-lhe as costas e mais: era quieta.

Faz três dias que Seu Cristiano não dorme. Ele sabe que a crise, aquela que veio de fora com a força de uma marola, vai lhe tirar o emprego. Ele sabe mesmo, que maior que a crise foi a incapacidade gerencial do Seu Narciso de se prevenir para a marola, que fez com que as vendas despencassem, os pedidos minguassem e o lucro do patrão, o Seu Alaor, caísse.

- Filho da puta - pensa Seu Cristiano - o Narciso se comprometeu em importar e nem percebeu que o dólar ia subir?

Faz três dias que Seu Cristiano não dorme. Pela primeira vez na vida, será demitido. Pela primeira vez na vida, não terá o sobrenome PAPELINTER, pela primeira vez na vida será apenas o Seu Cristiano, sem filhos, sem sonhos e a partir de amanhã, sem emprego.

Deveria dormir, o Seu Cristiano. Ficar acordado na cama com preocupações nunca garantiu o emprego de ninguém...

PS.: Seu Narciso acumulará, durante a crise, o papel de Gerente Geral e Contador, e continuará cuidando da empresa do Seu Alaor como se fosse um caseiro cuidando de um sítio particular.

EDNALDO TORRES FELÍCIO
23/01/09
06:15hs

5 comentários:

Anônimo disse...

muita força pro Seu Cristiano, Ednaldo...

e um forte abraço pra vc!

Anônimo disse...

MEU QUERIDO AMIGO, VOCE É FANTÁSTICO.

Anônimo disse...

MEU QUERIDO AMIGO, VOCE É FANTÁSTICO.

Rosangela A. Santos disse...

Adorei como escreveu a hitória do Sr. Cristiano.

infelizmente, acho, que estamos cheios de "Sr. Cristiano" .. sem dormi, preocupado com que vai acontecer com emprego e futuro..

abç.

Anônimo disse...

muito bom pai.Você deveria publicar seus textos