18/09/2006

4:30hs

4:30hs
18.09.06


Olhou de soslaio para a chuva que caia do outro lado da janela achando agradável seu barulho. Pensou que talvez fosse o único barulho natural em uma cidade tão artificial quanto São Paulo.

Vivia engaiolado em um pequeno apartamento, cagando sobre a cabeça alheia, enquanto cagavam sobre sua cabeça. Não podia sequer ter um cão, pois não possuía quintal.

Aproximou-se da janela. A cidade inteira era feita de sombras. Ele mesmo era apenas uma sombra do que, um dia, fora gente... Por outro lado, aqueles pingos borrifando o vidro da janela, caindo pelas calçadas, fizeram com que ele fechasse os olhos e “visse” com os ouvidos.

Havia algo, além de carros e bêbados, se mexendo sobre o asfalto, era a vida que caia do céu. Era vida cantando nas paredes de concreto. Ainda que não houvesse sementes ou solos para germinar, a chuva germinava letras em seus ouvidos atentos.

Digitou o que (ou) via, amargo, mas realista: “Se ninguém lerá minha chuva? Que importa! Tantas frutas apodrecem sem ser colhidas!”

Escreveu estas linhas e foi dormir. Pensou nos 16 andares com famílias empilhando-se umas sobre as outras e antes que se amargasse novamente, ouviu mais uma vez a chuva. Lavando tudo, lavando as sombras, lavando a pegada das putas, lavando o sono das crianças e trazendo sonhos aos poetas.

EDNALDO TORRES FELÍCIO

02/09/2006

prólogo do livro "GUERRA DENTRO DA GENTE"

Nesta vida,
pode-se aprender três coisas de uma criança:
estar sempre alegre,
nunca ficar inativo
e chorar com força por tudo que se quer.

PAULO LEMINSKI