25/12/2009

HISTÓRIA DE NATAL 1 ou o dia em que virei anjo


Carapicuíba. Periferia de São Paulo. Noite de Natal. Eu, sozinho, caminhando pelos escombros da cidade escura.
Barulho de fogos lá loooooonge e eu andando cabisbaixo, desviando dos ratos de minha alma, sem motivos para celebrar.
Foi quando vi deitado na calçada um homem com a cabeça sangrando. Mendigo. Sujo. Provavelmente bêbado, o farrapo de gente só era notado porque incomodava o andar dos que corriam apressados para a ceia e para a celebração do Deus Vivo,o Papai Noel.
Se todos desviavam do farrapo, por que diabos eu não desviaria? Mas não desviei.
Olhei o ser-humano caído, cabelos embasbacados de sangue, sozinho, tão sozinho quanto eu, mas um tanto mais jogado que eu. Foi quando um rapaz completamente embriagado vindo sei lá de onde, virou-se pra mim e disse: "cara, vamos leva-lo ao pronto-socorro?"
E assim fizemos, arrastamos o mendigo até o pronto-socorro. Colocamos ele numa maca. E entre perguntas de "onde vocês o encontraram?" "O que vocês são dele?", saímos à francesa certos de que o farrapo seria menos farrapo e mais gente nas mãos de enfermeiros, médicos e o diabo a quatro do pronto-socorro.
Já na rua, meu amigo de ocasião, o rapaz bêbado que me ajudou a levar o mendigo ao pronto-socorro, disse: "Cara, as pessoas passavam por cima do mendigo, pisavam em seu sangue e não paravam. Nós paramos e o socorremos. Cara, pra esse mendigo nós somos anjos." E se despediu na próxima esquina com um "Feliz Natal".
Eu fui pra minha adormecida casa, abri minha lata de cerveja no escuro e me senti sim, um anjo de Natal, um anjo de ocasião. Um anjo, torto, ateu, sozinho, mas um anjo. Ainda que apenas para aquele mendigo.
Recolhendo as asas nas costas, iniciei meu porre solitário de Natal.


EDNALDO TORRES FELÍCIO
25/12/2009

2 comentários:

Talitha Borges disse...

Q bom é lembrar que os seres humanos não são só maus

Ana Martins disse...

Ed,

Para quem se nomeia de «EU SOU FODA» já tirava essa frase!!
Anjo todo o dia também poderá não ser, mas hasteia sua asa mais vezes. Te fica a preceito.
Abraço bom
Ana Martins