04/08/2008

RODOVIÁRIA

"Todo o chão de rodoviaria é igual, cheio de guimbas de cigarro e catarro"
ON THE ROAD - JACK KEROUAK

E lá estava eu entre guimbas e catarro, agarrado à única coisa que me restou do casamento: uma mochila triste, com algumas cuecas, um par de camisas e uma solidao sem fim.

Nem fazia idéia de qual cidade do interior era aquela. Que importava? Fugia de mim mesmo, mas me encontrava em cada reflexo de janela de qualquer ônibus estacionado.

Fugia de mim, mas minhas memórias me perseguiam como se fossem um policial atrás de seu principal suspeito.

Era apenas mais um perdido na noite fria.

Ouvia ao longe adeus e olás, mas dentro de mim era a mesma fuga muda, cheia de medo e aflição.

Vinhos baratos corriam pelas veias e pela alma, mas nunca estive tão sóbrio.

A lembrança da casa e dos filhos distantes se confundiam com a última palavra Dela: Acabou.

Não me restava o trabalho "escravo", remunerado com esmolas, não me restava os vizinhos mudos ou a confusão da megalópole.

Lá estava eu: muleque perdido num exílio imposto por si mesmo. O fracasso das promessas diantes do Padre e do Juiz. O fracasso diante do espelho.

Agora, deitado atrás das cadeiras da rodoviaria de sei lá onde,não tinha de quem esconder o choro, mas não chorava.

O vento que cantava na orelha não me ninava e nem envergonhava. Eu era um que descera longe e não sabia para onde ia ou de onde viera.

Sem cigarros, sem álcool, sem futuro e com um passado distante, restava a mim o som de ônibus chegando a partindo em longos intervalos estéries com tristes silêncios etérios.

Nâo iria para lugar algum. Lá, naquele chão sujo, percebi que não tentava fugir Dela ou de Sampa ou do mundo: tentava fugir de mim. Mas onde fosse, meu fracasso e minha cobrança aguda me acompanhavam.

Curtos sonos interrompidos por novos ônibus.

Que me importa onde estava?

A Rodoviária e sua vida independente não me pertenciam, nem eu pertencia à Rodoviária. Naquela noite fui apenas o infeliz que dormiu atrás das cadeiras... Dormiu?

Fui o infeliz que despertou atrás das cadeiras e tentou uma nova vida, embarcando num ônibus novo, dalí para qualquer lugar, para qualquer destino, para qualquer morte, ou qualquer vida.

Não fazia ideia de onde o sol estivesse quando gastei meu último dinheiro para lugar nenhum...

O ônibus fechou a porta e pela janela ví a rodoviária ficando pra trás... Um punhado de luzes ficando menor a cada curva. Minha vida, um punhado de trevas ficando maior a cada esquina.

Nem sei onde estou. Não estou. Estive.


EDNALDO TORRES FELICIO
Qualquer data e qualquer hora

9 comentários:

Homenzinho de Barba Mal feita disse...

Você escreve mto bem gostei mto do conto...
Mtas vezes nos encontramos perdido, sem direção para tomar. Nos encontramos sós, mesmo diante de uma multidão.

Abraços!!!

Valfredo Mateus disse...

Fui na rodoviária de Joao Pessoa hoje, ateh q tava limpinha. Talvez, aki seja um dos POUCOS lugares do mundo onde se tenha muuuuita árvore.
Abraço!

Marra Signoreli disse...

É um texto lindo, parabéns! Lindo! O que mais tenho a dizer?
Gostei especialmente desta parte: "Vinhos baratos corriam pelas veias e pela alma, mas nunca estive tão sóbrio." Trata-se de uma imagem forte, não costumo ver textos com essas imagens em blogs, parabés.
E continue usando sua criatividade.
Abraços.

Dário Souza disse...

Fugir de si mesmo é algo bastante dificil,nessas horas é melhor tentar se encontrar com se proprio.

Ana Beatriz,Beatriz e Lee Sousa. disse...

mt loko pai

parabéns

Anônimo disse...

Eu tento fugir de mim mesma e das lembranças que me assombram todos os dias da minha vida .

Jonatas Fróes disse...
Este comentário foi removido por um administrador do blog.
Luna disse...

Todos precisam fugir, de vez em quando. Quase nunca dá certo, mas é necessário. Para poder recomeçar...

V!nn! disse...

Cara, muito bom mesmo o texto. Essa vontade de fugir, vontade de correr de algo que está em nós mesmos.

Parabéns mais uma vez!

Abraços!