15/06/2010

Homens podem chorar (ou a derrota do Brasil na Copa de 1982)

Em 1982 o Brasil tinha um time maravilhoso e ainda assim foi eliminado da Copa pela Itália, perdendo de 3x2.

Tinha eu 7 anos.

Lembro que quando acabou o jogo contra a Itália, as lágrimas encheram meus olhos e eu saí correndo pelo quintal para que meu irmão, 6 anos mais velho que eu, não repetisse o que ele sempre ouvira de meu pai: "Homem não chora, moleque".

Era uma tarde de ensolarada, minha mãe havia lavado lençóis e cobertores e eles secavam no varal. Esconder-me por lá, entre cheiros de roupa limpa, era o mais perto que eu podia ter de um afago materno (ela também diria - como disse tantas outras vezes durante minha vida - que meus sentimentos eram tolices), e ali, entre os lençóis que ela havia lavado, me sentia entre seus braços, com seu cheiro de mãe, me protegendo.

De repente, entre as frestas dos lençóis, vi sentado na porta da cozinha, se escondendo pelos mesmos motivos que eu, meu irmão, chorando silenciosamente, na mesma dor da derrota. Na mesma aflição da solidão, precisando apenas de um abraço ou um grito de gol.

Foi uma das primeira e únicas vezes que me senti junto de meu irmão. Ainda que chorando em cantos diferentes nossas dores eram de um mesmo abandono de uma mesma frustração.

Outras Copas vieram. O Brasil ganhou algumas e perdeu outras tantas. A vida levou meu irmão e trouxe ele de volta alguns anos depois.

Em 1982 descobri que o melhor nem sempre ganha na vida e que irmãos podem chorar (ainda que escondidos do mundo ou de si mesmos).



post dedicado ao meu irmão EDSON

2 comentários:

Edson disse...

“Minha dor é perceber que apesar de termos feito tudo o que fizemos nós ainda somos os mesmos e vivemos como os nossos pais.”

Ler o seu texto me lançou de volta àquela tarde ensolarada de 1982. Eu não consegui ver os últimos minutos do jogo. Fui para o quintal, pois não conseguia suportar a angústia de ver o até então invencível time do Brasil ser derrotado daquela forma.
Eu lembro que após o término da partida o clima era de velório e incredulidade.
Foi então que tirei o meu caderno escolar da mochila. Na contracapa eu tinha colado a charge de cada um dos jogadores, publicadas ao longo de dias pelo “Jornal da Tarde”. Rasguei todas. Precisei usar a ponta do compasso e até furei a capa do caderno, mas me livrei delas. O sentimento de frustração era gigantesco e eu não sabia o que fazer com ele. Como podia estar acontecendo aquilo? Era, para mim, inconcebível.
Você escreveu que procurou se esconder de mim daquele dia para que eu não repetisse para você o que o nosso pai sempre dizia, que “homem não chora”. Certamente, se eu o visse chorar, seria a frase que eu diria.
Mas, assim como eu não lembro de um monte de coisas de nossa infância, eu também não me lembro de ter chorado naquele dia.
Ao ler seu texto eu acabei me lembrando de algo que me ocorreu recentemente.
Há pouco tempo eu estava com uma persistente irritação nos olhos. Parecia que havia areia neles, tamanho era o desconforto. Isso fazia com que eu ficasse com os olhos muito vermelhos.
Foi então que procurei um oftalmologista. Ele fez alguns exames e descobriu a causa. As minhas glândulas lacrimais não estavam produzindo lágrimas suficientes para manter o globo ocular úmido, o que aumentava o atrito com a pálpebra e arranhava o olho, provocando irritação.
Um diagnóstico aparentemente simples, mas que me deixou pensativo... Como assim? Quer dizer que não consigo produzir lágrimas????
A minha infância inteira eu ouvi a célebre frase “homem não chora”. E, na minha mente de criança, o comportamento adequado era atender as expectativas de nossos pais e jamais chorar. Ou seja, não demonstrar nenhum tipo de sentimento que pudesse ser associado a fraqueza de caráter.
Além disso, reproduzir o comportamento cerceador de meu pai era uma forma de tentar me aproximar dele. Como a diferença de idade minha para você era de seis anos, um abismo em se tratando de crianças, eu acaba sendo para você mais um elemento de repressão emocional. Não sei como você sobreviveu...
Confesso que agora, primeiramente lendo o seu texto e depois assistindo ao vídeo, chorei absurdo!!! Mas isso me fez mais bem do que anos e anos de terapia!!!
E eu não posso deixar de comentar o seu texto. Minimalista. Vai no âmago do assunto. Como um drible curto do Zico, um passe de calcanhar do Sócrates, uma falta do Éder, um chapéu do Júnior... Desconcertam o adversário sem a necessidade de apelar para preciosismos desnecessários, atingindo seu objetivo na plenitude.
Gol de placa!

Abraços lacrimosos!!!!

Edson

Anônimo disse...

“Minha dor é perceber que apesar de termos feito tudo o que fizemos nós ainda somos os mesmos e vivemos como os nossos pais.”

Ler o seu texto me lançou de volta àquela tarde ensolarada de 1982. Eu não consegui ver os últimos minutos do jogo. Fui para o quintal, pois não conseguia suportar a angústia de ver o até então invencível time do Brasil ser derrotado daquela forma.
Eu lembro que após o término da partida o clima era de velório e incredulidade.
Foi então que tirei o meu caderno escolar da mochila. Na contracapa eu tinha colado a charge de cada um dos jogadores, publicadas ao longo de dias pelo “Jornal da Tarde”. Rasguei todas. Precisei usar a ponta do compasso e até furei a capa do caderno, mas me livrei delas. O sentimento de frustração era gigantesco e eu não sabia o que fazer com ele. Como podia estar acontecendo aquilo? Era, para mim, inconcebível.
Você escreveu que procurou se esconder de mim daquele dia para que eu não repetisse para você o que o nosso pai sempre dizia, que “homem não chora”. Certamente, se eu o visse chorar, seria a frase que eu diria.
Mas, assim como eu não lembro de um monte de coisas de nossa infância, eu também não me lembro de ter chorado naquele dia.
Ao ler seu texto eu acabei me lembrando de algo que me ocorreu recentemente.
Há pouco tempo eu estava com uma persistente irritação nos olhos. Parecia que havia areia neles, tamanho era o desconforto. Isso fazia com que eu ficasse com os olhos muito vermelhos.
Foi então que procurei um oftalmologista. Ele fez alguns exames e descobriu a causa. As minhas glândulas lacrimais não estavam produzindo lágrimas suficientes para manter o globo ocular úmido, o que aumentava o atrito com a pálpebra e arranhava o olho, provocando irritação.
Um diagnóstico aparentemente simples, mas que me deixou pensativo... Como assim? Quer dizer que não consigo produzir lágrimas????
A minha infância inteira eu ouvi a célebre frase “homem não chora”. E, na minha mente de criança, o comportamento adequado era atender as expectativas de nossos pais e jamais chorar. Ou seja, não demonstrar nenhum tipo de sentimento que pudesse ser associado a fraqueza de caráter.
Além disso, reproduzir o comportamento cerceador de meu pai era uma forma de tentar me aproximar dele. Como a diferença de idade minha para você era de seis anos, um abismo em se tratando de crianças, eu acaba sendo para você mais um elemento de repressão emocional. Não sei como você sobreviveu...
Confesso que agora, primeiramente lendo o seu texto e depois assistindo ao vídeo, chorei absurdo!!! Mas isso me fez mais bem do que anos e anos de terapia!!!
E eu não posso deixar de comentar o seu texto. Minimalista. Vai no âmago do assunto. Como um drible curto do Zico, um passe de calcanhar do Sócrates, uma falta do Éder, um chapéu do Júnior... Desconcertam o adversário sem a necessidade de apelar para preciosismos desnecessários, atingindo seu objetivo na plenitude.
Gol de placa!

Abraços lacrimosos!!!!

Edson